Estreia de sonho de Walter embala dragões para a goleada


Por uma vez no Dragão, a película foi dominada pelas personagens secundárias. Foi uma espécie de revolta dos figurantes, daqueles que normalmente aparecem encobertos na fotografia. Não é fácil imaginar um episódio de Sherlock Holmes com o Dr. Watson a liderar a investigação, ou até mesmo uma crónica de Dom Quixote preenchida por um Sancho Pança a investir de lança sobre moinhos de vento. Esta noite, aconteceu.

Walter elevou-se a figura maior, libertou-se das amarras de Falcao, e fez três golos. O brasileiro mostrou faro apurado nas zonas de baliza, alguns pormenores de excelente qualidade e uma mobilidade que aquele corpo arredondado não deixa antever. O rapaz promete. O Limianos, equipa do quarto escalão nacional, associou-se à história e sai com direito a aplausos de pé. Postura atrevida, muito interessante, com dois ou três jogadores de qualidade e um golinho celebrado como se o Santo Graal estivesse escondido nas redes de Beto. Pedro Tiba merece uma linha só para ele. Foi este o responsável pela implosão de alegria no sector destinado às cinco mil almas de Ponte de Lima. Isso mesmo, cinco mil pessoas direitinhas do Minho para o Porto.

É uma característica destes jogos desnivelados logo antes do apito inicial. O algoz anunciado sobe ao local da execução, sorri perante a vítima entregue à guilhotina e decide prolongar-lhe a réstia de vida. A fragilidade natural do opositor entregue ao carrasco pode explicar muita coisa, mas há outra que se chama brio. Os portistas foram briosos e em apenas nove minutos desceram a lâmina sobre o pescoço do Limianos. Walter abriu a contagem num pontapé de primeira e o sangue jorrou, jorrou e jorrou. O dragão acalmou a fúria pelo golo e entregou-se ao deleite. Depois de 30 minutos dormentes, desinteressantes, pautados por uma supremacia condescendente dos dragões, Varela lá fez o segundo golo e agitou a turba. Sem acelerar, sem jogar especialmente bem, o Porto cumpriu a sua obrigação, aumentando e diminuindo o ritmo conforme lhe pareceu melhor. Chegou ao 3-0, numa conclusão de Walter à meia-volta, e permitiu o tal sacrilégio a Pedro Tiba, antes de Walter fechar as contas perto do último apito. Num olhar mais amplo, só Hulk e Varela foram frenéticos e abusadores do princípio ao fim. Mas esses, já se sabe, não têm travões.

Num filme com tantas figuras novas, duas merecem aprovação total: Walter, conforme o supracitado, e Emídio Rafael. O lateral esquerdo jogou pela primeira vez e jogou bem. Não terá vida fácil com a concorrência de Alvaro Pereira, mas mostrou uma enorme evolução, em relação ao que mostrara na pré-época. André Villas-Boas não se enganou ao trazê-lo de Coimbra. Sereno alternou o razoável com o medíocre, Otamendi pareceu excessivamente confiante e Beto não teve grande trabalho. Dos médios, Guarín foi o que mais apareceu, com Rúben Micael e Souza a cumprirem os respectivos papéis com competência. Castro, James Rodríguez e Ukra foram lançados na segunda parte. Os portugueses são unidades de muita qualidade, o colombiano pode deixar de ser personagem secundária a qualquer instante.