Porto e Benfica chegaram à 10ª jornada separados por 7 pontos. Este era, portanto, um jogo possivelmente determinante para o campeonato, especialmente em caso de vitória do FCP, que via a sua vantagem aumentar para uns confortáveis 10 pontos.
O ambiente era tenso, na sequência dos constantes ataques das respectivas direcções nos últimos anos. A palavras de arrebate do lado portista são o “compromisso com a vitória” e o “grito de revolta”, pela voz do seu jovem e cada vez menos questionado treinador.
O Porto entra em campo sem o seu grande pivot… o “polvo”, Fernando. No seu lugar Guarin, mais possante, menos inteligente, menos posicional mas com mais capacidade de passe, progressão e remate. De resto, a mesma filosofia de jogo, os mesmos atletas num mesmo esquema táctico. AVB dá assim o primeiro grande sinal de confiança nos atletas e no trabalho desenvolvido. A primeira explicação para o resultado do jogo surge aqui: “para vencer, primeiro acreditar”.
O SLB mexeu na equipa, faz entrar Sidnei para o lado de Luisão e Maxi, e desloca D. Luis para a esquerda. Com isto sobe o F. Coentrão para o meio campo esquerdo. Aimar regressa para o meio campo com C. Martins, Javi e Coentrão, na frente Kardec e salvio. São muitas mexidas e como se viu, não resultou! Jesus quis apostar em segurar o lado do Hulk… aquele que todos disseram a barbaridade de não ter valor e não ser um grande jogador!!! Jesus desmentiu-os a todos, mas esqueceu-se que na frente existe um Falcao em crescendo, um Varela muito possante, um Belluschi fantástico a comandar a equipa, etc... Esqueceu ainda que todos eles têm enorme mobilidade podendo fazer variações deste típico 4-3-3, para momentos de 4-5-1 (com o recuo de Hulk e Varela) ou mesmo 4-4-2 (com Hulk ou Varela a derivar para o meio).
O jogo começou da mesma forma que o da super-taça. Um Porto mandão, brigão, a assumir a vontade de vencer, a controlar e dominar o Benfica e anular qualquer tentativa de saída para o ataque adversário. Os golos foram sucedendo com uma tal naturalidade que até se estranha!
Podia falar de foras de jogo mal assinalados, de dualidade no critério de atribuição de faltas e amarelos, e até em penáltis muito pouco discutíveis que passaram sem penalização… mas até compreendo que o árbitro quis “proteger o espectáculo”. A verdade é que aconteceu… mas aconteceu muito mais coisas importantes além disso.
Aconteceu que Varela e Hulk não deixaram um minuto de descanso ou metro de folga para os laterais subirem… aconteceu que Falcão se mexe por três, e deu água pela barba ao dois centrais e ao Javi. Aconteceu que Guarin, Moutinho e Belluschi foram imensamente superiores aos 4 médios que o SLB colocou… e que a defesa esteve quase sempre confortável, com os dois centrais muito aberto, o Guarin no meio mais à frente e os laterais subidos a empurrar o benfica para longe!
O primeiro golo surge aos 11m. depois de um desentendimento entre Hulk e D. Luis… Hulk levou um toque na cara, o arbitro não assinala nada e na segunda bola o Hulk arranca e deixa o adversário de gatas… de seguida assiste o Varela que fez um excelente aproximação ao ponta de lança.
O segundo aos 24m., e melhor golo, é um calcanhar de Falcao… fantástica execução técnica, mas ainda melhor movimentação na área a procurar as costas de Luisão e depois a aparecer em antecipação deixando-o de joelhos.
Aos 28m. o Porto resolve o jogo com o 3 a 0… de novo pela esquerda do Benfica, onde supostamente estão os 2 jogadores mais valiosos e transaccionáveis… um excelente passe de ruptura o Sapunaru e um trabalho bom de Belluschi sobre o Sidnei a deixar a finalização para o Falcao fazer o 6º no campeonato!
Até aqui o Porto foi arrasador, uma exibição praticamente perfeita de todos os atletas. Com este resultado manteve-se o domínio e o controlo, mas com menos intensidade e ritmo, a responder a solicitação das bancadas, aos olés durante os passes… foi a festa total. Só na segunda parte se voltou a assitir a novo pressing, resultando na goleada histórica que se conhece! É a maior derrota de sempre de um campeão, no campeonato!
No final do jogo surgem os golos de Hulk… a premiar toda a sua envolvência no jogo e o seu amadurecimento nesta época. Foi a bofetada de luva branca. O primeiro golo dele foi aos 79m. a converter um penálti indiscutível, depois de passar em drible e velocidade Coentrão.
No final o grande golo de Hulk, o seu 10º golo no campeonato, de novo com o Coentrão pela frente, a dar uma pedalada, a puxar a bola para o pé esquerdo e a fuzilar o Roberto. Roberto que até nem esteve mal, nem sequer muito trabalho. Faltou o franguinho para a festa ser ainda mais completa.
Hulk, Varela e Falcão foram os marcadores de serviço, e são os marcadores de serviço. Dos 25 golos do Porto, 23 são deste trio ofensivo! Numa média de 2,5 golos por jogo, que tanto por numero como por estilo e demonstração de capacidade, faz lembrar o Barcelona!!!
Fazer individualizações, neste contexto é extremamente difícil e possivelmente injusto. Mas começando de trás para a frente:
Hélton: esteve seguro quando foi chamado a intervir. Teve pouco trabalho de complexidade mas transmitiu sempre muita confiança e liderou a defesa.
Sapunaru: está a adquirir a capacidade de briga e entrega do Fucile, a sua maior desvantagem. Provou que tem competência para o lugar, anulou o Coentrão e o Gaitan e ainda fez um excelente passe de ruptura para Belluschi assistir o Falcao. Deu o seu grito de revolta face à injustiça do ano anterior.
A. Pereira: derrotou pela 3ª vez em ano e meio a outra equipa por quem poderia ter jogado. Subiu bem, defendeu bem. Mostrou a habitual pedalada!
Rolando: muito tranquilo, sem grande trabalho prático de complexidade, mas com muita capacidade de se posicionar e organizar.
Maicon: o melhor elogio é repetir o que já disse: “na mesma idade é o melhor de todos os centrais da história recente do Porto”. Tudo lhe saiu bem, mesmo um excesso de confiança numa saída em drible na defesa! São estas coisas que não deve fazer.
Guarin: substituiu bem o Fernando. Aimar esteve especialmente desinspirado e a presença de Guarin foi fulcral. Teve pequenos momentos de desposicionamento, nada de grave.
Moutinho: sempre no sitio certo, sempre o passe certo, e muito importante sempre a falta ou o corte certos! Foi quase sempre o primeiro tampão ao meio campo do SLB. Moutinho cumpre e sobra, é um relógio suíço no que diz respeito à ocupação de espaço, aos apoios e no capítulo do passe.
Belluschi: grandíssima exibição. Sempre gostei da sua atitude em campo, mesmo no ano anterior percebi que era ele o patrão que a equipa necessitava. Transfigurou-se com AVB, faz até lembrar Deco em algumas coisas, o que é um grande elogio! Foram passes de ruptura, dribles, apoios, assistências… é o motor da equipa, engane-se quem achar o inverso! No meio campo Belluschi está completamente transformado, é um 8 a defender, mas um 10 a atacar (como é a sua natureza). Tacticamente é muito bom e tecnicamente é fantástico.
Varela: sempre possante, com grande domínio e toque de bola. Muita aceleração do jogo, e bem apoiado é um perigo. Vai e foi à área com muita eficácia… abriu o marcador num excelente movimento.
Falcao: um ponta de lança um pouco atípico… ma sé o que faz dele especial. É incompleto como quase todos, mas é excelente no que sabe fazer. Falta-lhe aceleração e passa despercebida a sua falta de altura. Caso possuísse estes 2 factores físicos era um ponta de lança do outro mundo. Tem muita técnica, capacidade de ler os movimentos dos adversário, iludir e aparecer no espaço antecipando-se. O corolário do seu futebol é o magnífico golo de calcanhar que deixa o Luisão de joelhos. Acresce a isto que é muitíssimo trabalhador e desgasta por completo o adversário, física e mentalmente.
Hulk: deixei para o final das individualidades, porque é um jogador especial… e como todos os raríssimos jogadores especiais é imperfeito e incompleto! Está a provar e a desmentir todos aqueles que confundiram irreverência, excessos e imaturidade competitiva, com falta de qualidade, com arrogância e banalidade. É um jogador de top mundial. Naquilo que faz é provavelmente único e isso faz dele muito apetecível para os clubes de grande capacidade financeira. Tenho sérias dúvidas que fique no final da época. Esqueçam o jogador que simulava constantemente faltas, que reclamava por tudo e por nada, que insistia sempre na mesma finta, jogada ou remate. Esse jogador acabou… esse foi o “junior” que fomos contratar a uma equipa do Japão e que amadureceu com uma velocidade equivalente à das suas pernas! É o Hulk e é fantástico!!! Mentalmente está a demonstrar-se fortíssimo… acresce que a equipa ainda não perdeu desde o seu regresso depois do túnel da Luz! Já perdi a conta aos número de jogos. No Domingo espezinhou e deixou de rastos o seu colega de selecção, um defesa de grande nível, é inquestionável.
Entraram ainda Ruben, Walter e James, sem que nada de relevante haja a observar. A equipa não se ressentiu das alterações o que por si só já é positivo.
Por último falar da equipa.. e falar da equipa é falar do elemento aglutinador, da presença na linha lateral, da voz de comando… André Villas Boas! Está a revelar-se “melhor que a encomenda”… e para que teve Mourinho’s, Robson’s e outros desse nível é um grande elogio. Estes jogos com adversários directos são a sua praia, eu sabia que a equipa ia saber como jogar e como o adversário se ia posicionar.
Se Mourinho é indiscutivelmente o melhor treinador do mundo, tenho poucas duvidas que alguém seja melhor observador dos adversários que AVB… isso faz dele conhecedor de tudo o que existe no futebol: métodos, dinâmicas, estratégias, posicionamentos, variações… TUDO! Tem um know how único, viveu quase tudo o que o Mourinho viveu, venceu igualmente e tem essa bitola de sucesso bem alta… esse nível de exigência para si e para os seus colaboradores. Revela agora que tem um trabalho em academia fortíssimo e uma capacidade motivacional e de comunicação ao nível dos melhores! Tem futuro, como sempre antevi, é a escolha certa… é óbvio dizê-lo agora, mas não deixo de o fazer. Todas as suas declarações antes e depois deste clássico foram perfeitas, completas e muito acertadas! Grande nível mister!
Notas finais:
O LFV levantou momentaneamente o embargo às deslocações aos jogos fora… e em boa hora o fez! Além de Pedro Proença, o sócio e árbitro, outros quase 3000 presenciaram em estádio um momento histórico do nosso futebol! É a segunda goleada por 5 a 0 nos últimos 15 anos.
Texto de Nuno Silva para o Negócios do Futebol
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