Portugal - Espanha : reflexões no duelo ibérico


Os seleccionados de Portugal já trabalham sob as ordens de Paulo Bento e prepara-se o amigável de selecções. Este jogo traz-me de imediato à memória os títulos que os espanhóis ganharam nos últimos anos, não só no futebol, assim como noutros desportos individuais ou colectivos e os embates mais recentes entre a nossa selecção com a de "nuestros hermanos": a vitória de 1-0 com golo de Nuno Gomes para o Euro 2004 e a derrota no último Mundial.

Os resultados não surgem do acaso e advêm de muitos factores! Recorrente e ciclicamente, ao sucesso dos clubes, por vezes, sucede-se o das respectivas selecções nacionais e vice-versa. Analisando o percurso da Roja, não devemos deixar de olhar para o tremendo sucesso do Barcelona – inigualável, porque é assente numa filosofia, premissas e cultura muito próprias, que eu pude comprovar in loco, mais uma vez há bem pouco tempo – e da coincidência do facto de a equipa catalã fornecer um elevado número de elementos à selecção espanhola. Além disso, temos de perceber o percurso de diversas gerações de futebolistas espanhóis, que ajudaram a conquistar os inúmeros títulos ou feitos de relevo do futebol dos nossos vizinhos, também nas diversas selecções mais jovens.


Continuando o meu raciocínio, creio que todos nós nos recordamos dos êxitos do Benfica da década de 60 e do brilharete da nossa selecção no Mundial de 66 em Inglaterra. Mais recentemente, o êxito internacional do F. C. Porto de Mourinho foi a base da selecção portuguesa, que acabou por alcançar o 2º lugar no Euro 2004 em Portugal e um lugar de honra no Mundial 2006 na Alemanha. Finalmente, convém recordar que alguns dos notáveis das últimas selecções A, foram campeões mundiais sub-20 e venceram alguns títulos europeus e torneios internacionais de relevo pelas nossas selecções jovens.

A Espanha vive momentos de êxito no seu desporto graças a projectos desportivos, iniciados há uns anos. Foram feitos investimentos, mas essencialmente houve organização e planificação. Temos de ter consciência e noção dos meios e dos recursos de que se dispõe, mas isto só reforça o valor que se deve atribuir aos projectos. Já repararam que além do futebol, eles têm obtido sucesso noutras modalidades desportivas? Basta olhar para as medalhas olímpicas, títulos no ténis, basquetebol, andebol, automobilismo, etc…

Vamos defrontar os campeões europeus e mundiais em título e uma equipa de elevada qualidade de jogo! Longe vão os tempos da tão propalada fúria espanhola. Paradoxalmente, quando optaram por um jogo com outro tipo de filosofia e de cultura tácticas, atingiram o topo. Mérito a Aragonés, na campanha do Euro 2008, e a Del Bosque no Mundial de 2010, que aproveitando os jogadores do Barça como veículos de transmissão de princípios e de uma filosofia positiva de jogo, “infectaram” os restantes futebolistas das respectivas selecções espanholas. O “tic-tac” do Barcelona, estendeu-se à Seleccion Roja!


No último embate ibérico para o Mundial, defrontámos a melhor equipa do torneio, mas não creio que eles tenham jogado contra uma no limite da sua plenitude. Na realidade, vamos enfrentar uma equipa composta de jogadores de elevada qualidade, mas excepcionalmente coesa e de elevado compromisso colectivo. Da nossa parte, o que vamos ser? Uma equipa igualmente recheada de elementos de qualidade, mas a empurrar a responsabilidade de resolver para a individualidade, leia-se Cristiano Ronaldo, ou ao invés, ser uma equipa colectivamente mobilizada e com as individualidades a servirem-na? Este parece ser o ponto de partida para os sucessos vindouros da equipa de todos nós.

Como travar a Espanha e a sua elevada capacidade de reter a bola e dominar o jogo? A resposta não será fácil, mas creio que mais do que aceitarmos o domínio espanhol e espreitar as saídas para o ataque, aceitando desta forma um papel passivo, deveríamos alternar o posicionamento do nosso bloco defensivo, umas vezes mais baixo, outras mais subido, de forma a contrariar a circulação de bola fluida a que estão rotinados, assumindo assim um papel mais pró-activo. No momento de transição ofensiva, seria fundamental conseguir tirar de forma eficaz a bola da zona de pressão dos espanhóis, procurando referências para fora da sua zona de pressão, após a transição positiva, onde são fortíssimos. Manter a posse de bola o mais e melhor possível para os obrigar a prolongar o momento defensivo, colocando-os no desconforto de ter de correr atrás da pelota, e desta forma, criar desposicionamentos e aproveitar eventuais crises de raciocínio táctico. Será fácil? Seguramente que não, até porque são comportamentos e rotinas que não se assimilam em tão poucos treinos, no entanto, creio que são exequíveis. Afinal de contas, a qualidade dos nossos futebolistas é de excelência e não me parecem acções tácticas desenquadradas do nosso estilo de jogo e tão pouco conducentes à perda de identidade!

in Público