A Estrela de Old Trafford


No calor da discussão que centraliza todas as atenções em Inglaterra surpreende a imagem deixada por Sir Alex Ferguson. O técnico mais duro do futebol europeu parece sinceramente surpreendido com a rebelião do seu púpilo, Wayne Rooney. O mesmo sucedeu há dois anos com Cristiano Ronaldo e aí o escocês ganhou o pulso. Agora será tremendamente complicado que a situação que se repita. Mas quem é realmente a estrela em Old Trafford, o internacional inglês ou a eterna fénix escocesa?

Rooney é o último grande nome que sobrevive em Old Trafford. Ao longo da década o colosso inglês foi perdendo as suas maiores estrelas e viu a sua geração dourada chegar à última etapa da sua carreira. Van der Sar, Neville, Ferdinand, Scholes e Giggs estão a poucos meses de chegar ao fim da linha. Em Junho de 2012 nenhum deverá estar ainda no activo. Sem a velha guarda como porta-estandarte era importante para Sir Alex Ferguson manter um jogador estrela no plantel. Cristiano Ronaldo preferiu ser a estrela do Bernabeu e Rooney ficou com o posto. Até agora.


O dianteiro inglês já anunciou o seu desejo de partir e noivas não lhe faltam. É a estrela mediática por excelência do futebol inglês, pelos seus feitos dentro e fora do relvado. Mas com a sua raça e golos chegam também os problemas e isso será sempre algo a ter em conta por qualquer treinador. Ferguson pensou que podia domar o filho de agentes de boxeurs traficantes de droga e, ele mesmo, um habitual frequentador de postibulos para fazer dele um exemplo. Falhou. Rooney não mudou o seu caracter nem o seu conceito de profissionalismo. E futebolisticamente nunca deu o salto que se esperava. A verdade é que Wayne Rooney é profissional há já seis anos. Explodiu em 2004 com o Everton e rapidamente chegou a Old Trafford onde fez parte com Cristiano Ronaldo, Ryan Giggs e Ruud van Nistelrooy de um quarteto ofensivo de respeito. A saída do holandês deu-lhe a titularidade absoluta mas foi a progressão de CR7 que travou a sua explosão. Ronaldo tornou-se no eixo do jogo do Man Utd e Rooney foi relegado para um segundo plano, mediático e táctico. Passou a jogar descaído à esquerda, longe da área. Por Inglaterra falhou sempre nos grandes momentos. Pelo clube do Teatro dos Sonhos nunca foi um dianteiro determinante. Esse plus que lhe faltava surgiu no arranque da época passada. Tudo ía bem até à lesão sofrida na derrota em Munique. A partir daí foi uma viagem sem retorno.

Ferguson tem, por seu lado, fama de não perdoar a minima rebelião dos seus jogadores. Já na década de 80 dispensou Strachan e Whiteside e na década seguinte teve as suas discussões com Kanchelskis, Schmeichel e Ince e depois com Stam, Keane, Beckham e van Nistelrooy. Todos eles desafiaram a sua autoridade, todos perderam o braço de ferro. Rooney irá ganhá-lo porque, pela primeira vez, será o jogador, e não o manager, a ditar o tempo dos eventos. Rooney fica sem contrato no final do próximo ano e pode sair livre. O clube vive mergulhado em dividas e terá de o vender já (em Janeiro) para diminuir as perdas. Ferguson não tem margem de manobra. Mas será esse o verdadeiro problema?


A chegada da familia Glazer a Old Trafford começou com o descalabro financeiro da equipa mais rica do mundo. O técnico deixou de ter orçamento para tapar as saídas das suas estrelas. Dos 90 milhões de euros pagos pelo Real Madrid ao contado por Cristiano Ronaldo, Ferguson viu apenas um quarto, gasto em jovens jogadores que precisam de tempo para crescer. O que o escocês está, paulatinamente a fazer, assemelha-se em muito ao trabalho de Wenger no Arsenal. Ou ao próprio passado de Ferguson nos últimos 25 anos. Começar do zero. Obertan, Chicharito, Nani, Anderson, os irmãos da Silva, Evans, Macheda, Gibson ou Valencia são apostas de futuro que não têm ainda o pedigree para render como estrelas. Eles são o futuro, a última geração dos “ Ferguson Boys” , depois de quatro etapas diferentes do técnico em Old Trafford. É neles que o treinador deposita grandes esperanças e Rooney, por muito bem quotado que seja, era apenas o porta-estandarte mediático da geração. A sua produtividade em Old Trafford tem sido, com a excepção da primeira metade da época passada, decepcionante. Nunca foi um homem-golo como van Nistelrooy, Cole, Yorke, Cantona, McClair ou Hughes. E nunca soube tornar-se no lider do grupo. Daí a eterna necessidade de “ Fergie” em manter Scholes e Giggs para lá do seu prazo de validade. Sem eles o Man Utd perderá mais do que sem Rooney. E esse é o grande dilema que agora deve preocupar o técnico escocês.

Em Inglaterra o conceito de estrela mediática está bem separado do conceito de equipa. O Arsenal de Wenger mantém o respeito de todos porque o projecto continua inalterado, apesar das sucessivas saídas das suas maiores estrelas (Fabregas será, inevitavelmente, o próximo). O Chelsea manteve durante seis anos um esqueleto que lhe permite aguentar a saída de qualquer elemento e uma das razões da queda do Liverpool está no constante para e arranca que Benitez imprimiu à estrutura da equipa de Merseyside. A saída inevitável de Rooney pode ser, à primeira vista, um problema. Mas também se poderá tornar na oportunidade perfeita de Ferguson afinar o seu último projecto. Robson, Cantona, Beckham, Ronaldo chegaram e partiram. Mas com Ferguson à frente os Red Devils nunca deixaram de ganhar. Afinal, se há alguém realmente importante no Teatro dos Sonhos, é ele.

Crónica de Miguel Lourenço Pereira para o Negócios do Futebol