O peso da mudança


Doze horas. Para muitos, sobretudo habituados aos trabalhos duros, é quanto demoram a completar um turno que no fim do mês lhes garantirá um salário que lhes permitirá sobreviver. Para Fernando Torres foi o tempo necessário para marcar o primeiro golo pelo Chelsea, depois de em Janeiro ter sido contratado ao Liverpool por uns míseros 58 milhões de euros, capazes de alimentar milhares de africanos durante toda uma vida, ou o Rochemback durante uma semana.

Desde que chegou ao clube londrino, o avançado espanhol sofreu uma grande pressão para fazer aquilo para o qual era pago: marcar golos, algo que aliás vinha fazendo nos clubes por onde passara. O rótulo que lhe foi imprimido de transferência mais cara do futebol inglês terá sido suficiente para transformar um ponta-de-lança de qualidade e profícuo num clube à procura da identidade perdida nos últimos anos num mero meco de 1,85m que nada mais fazia senão estar parado na frente de ataque à espera de ser apanhado no fora-de-jogo?

À primeira vista a resposta seria clara. Que outro motivo seria capaz de alterar por completo um jogador, cuja motivação foi caindo para níveis assustadores nos últimos dois meses? Ora o problema poderá ser mais profundo que a psique do espanhol, motivada por razões tácticas e alguma casmurrice italiana.


Desde que chegou ao Chelsea, Carlo Ancelotti insistiu em colocar a equipa a jogar num 4x3x3, onde Drogba, jogador imponente e de uma capacidade impressionante no controlo de bola, é a principal referência atacante e nas alas é apoiado por um (agora) nativo e um (para sempre) deslocado. Ora, Malouda é, cada vez mais, um ala, que come terreno com os pés e é capaz de acompanhar o jogo a partir de toda a faixa esquerda, quando, no extremo, oposto, Anelka é, caprichosamente, colocado numa posição que, simplesmente, não lhe é natural. Encostado à faixa, o francês faz aquilo que melhor sabe, diagonais interiores que, na maior parte das vezes, em nada resultam. Pois são estes movimentos que tornam quase impossível a convivência com o espanhol, já que acaba por chocar com Torres, não combinando, de todo, com este.

Outro problema deste Chelsea de Ancelotti é a dinâmica ao nível do meio campo. O triângulo central que tanto sucesso trouxe a Mourinho está com problemas na engrenagem, provocados pelos terríveis efeitos do tempo. Lampard e Essien não são os mesmo jogadores de outrora (mais lentos, menos rotativos) e Ramires é, essencialmente, um jogador de grande disponibilidade física e de transições, mas que não participa activamente na construção de jogo, à imagem dos outros dois jogadores do triângulo. Se virmos com atenção, parece que todos eles estão encarregues de desempenhar a mesma função durante o jogo, confundido-se com facilidade as acções de cada um. Não há um médio capaz de iniciar a construção de jogo, sendo esta normalmente iniciada numa das alas, perdendo-se rapidamente o apoio do meio campo.

E assim, este paradigma em que não existem jogadores capazes de construir ao nível do meio campo, leva a que nas saídas para o ataque, apenas os avançados se situem à frente da linha da bola, o que evidencia a falta de comunicação entre o sector médio e o restante ao nível da capacidade de passe e, consequentemente, desmarcação do avançado. Assim, é impossível que Fernando Torres consiga chegar à baliza, quando muito dificilmente a bola chega ao espanhol e este não é propriamente o ponta-de-lança mais móvel da actualidade. O que leva a crer que a contratação de "El Niño" não passou de um erro de gestão, dado o esquema pretendido pelo treinador para a sua equipa e a capacidade de Drogba, que promete ter mais uns anos a um nível alto. Um médio criativo, capaz de colocar bolas na frente e apoiar o ataque era a peça que faltava para este Chelsea sofrer um upgrade táctico. No entanto, Abramovich decidiu-se por uma aposta que mais pareceu de marketing, do que desportiva.

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