Num interessante artigo publicado há dias, a Marca procurou salientar os diversos pontos de contacto que existem entre José Mourinho e André Villas-Boas, para além daquele que é óbvio: os oito anos durante os quais este último fez parte da equipa técnica liderada pelo special one. O ponto de partida foi o tomar de consciência de que, na Europa, apenas o FC Porto está a conseguir um arranque de época mais vitorioso do que o Real Madrid. Ambos somam três vitórias e um empate nas respectivas provas europeias, mas os portistas registam dez vitórias e um empate na liga portuguesa, enquanto, em Espanha, os madrilenos somam mais um empate e menos uma vitória, em igual número de jornadas.
Como não faria sentido incluir os currículos neste olhar que nos chega de Madrid, comecemos por aquilo que é mais pacífico. Ambos os técnicos foram, de facto, futebolistas frustrados que decidiram transportar a sua paixão para os “bancos”. Um e outro beneficiaram da convivência com Bobby Robson e ambos lançaram as suas carreiras “graças ao seu descaramento, vontade de aprender e domínio do inglês”, que os ajudou a completar a formação em reputados cursos em Inglaterra e na Escócia. A propósito, é recordado que Villas-Boas (que tem hoje 33 anos, menos 14 do que Mourinho) foi director técnico das Ilhas Virgens Britânicas (durante um breve período chegou a ser o seleccionador), escondendo sempre que, então, só tinha 21 anos. “Só lhes disse quando vim embora.” De facto, Villas-Boas até foi ainda mais precoce, emancipando-se de Mourinho quando tinha apenas 31 anos, enquanto o técnico do Real só deixou Van Gaal aos 37.
O jornal considera outra similitude a circunstância de ambos terem começado a carreira a solo em clubes modestos (Leiria e Académica) e o facto de terem “explodido” no FC Porto. Mas, apesar de a passagem de Mourinho pelo Benfica poder ser tida como fugaz (como sugere a Marca), a verdade é que já na Luz se tinha percebido que estava ali alguém que fugia à normalidade (por alguma razão Mourinho só não seguiu logo para o Sporting porque Luís Duque cedeu às pressões da Juventude Leonina).
No trabalho falta, talvez, comparar as opções tácticas, sendo certo que o actual FC Porto faz lembrar aquele que Mourinho levou à conquista do título e da Taça UEFA, na sua primeira época completa nas Antas (por sinal, a última também disputada naquele estádio). Resta é saber se Villas-Boas vai acabar também por ceder ao futebol mais cínico (por mais eficaz e menos espectacular), rótulo colocado a Mourinho pelo menos até esta fase mais exuberante no Real Madrid. Essa tendência só poderá ser confirmada à medida que Vilas-Boas amadureça e viva outras experiências, sendo, no entanto, verdade que os presentes sinais não vão nesse sentido.
O autor do artigo (Santiago Siguero) diz, com razão, que deverá ser divertido quando eles se cruzarem como antagonistas num qualquer estádio. Até porque, acrescenta, são parecidos na forma como se comportam nas salas de imprensa. É impossível discordar totalmente, mas também é verdade que já se nota alguma diferença na utilização da verve. Villas-Boas parece mais emocional e autêntico (mesmo quando reconhece os erros, como após a interpretação errada de um lance em Guimarães), enquanto Mourinho é mais frio e parece estar sempre, mesmo quando quer transmitir emoções fortes, a cumprir um guião que ele próprio elaborou.
Num livro lançado em Itália, com o título “Mourinho, o extraterrestre”, Sandro Modeo compara o ex-treinador do Inter a Harry Houdini, o maior ilusionista do mundo. Mourinho não consegue libertar-se de correntes e cadeados mesmo fechado numa caixa imersa na água, mas não há dúvida que tem truques que o diferenciam, pelo menos até ao momento, de Villas-Boas.
Mourinho é um mestre do conflito, sabendo o que pretende atingir quando passa um ralhete público a um dos seus jogadores, quando acusa um técnico adversário de ter oferecido a vitória ao Barcelona, quando sorri e cumprimenta adeptos adversários que o insultam ou quando manda para aquela parte um árbitro. São três exemplos já retirados da sua aventura madrilena, mas muitos outros podem ser encontrados noutras paragens. Porque, como dizia há dias Emílio Bultragueño, Mourinho foi para Madrid para ganhar, “não para fazer amigos”.
Nesta pose de rock-star percebe-se a estratégia de servir de pára-raios aos jogadores, pouco lhe importando, por exemplo, que um cronista adepto do Real o acuse de lhe faltar “a excelência, a elegância e o cavalheirismo de que sempre fez gala este clube”. Até porque na suculenta imprensa espanhola logo surge alguém a defender que “atacar Mourinho e criar-lhe o ambiente mais hostil em campo converteu-se no desporto da moda”. Nesta matéria, Villas-Boas ainda tem muito a aprender. Ou não. Porque, por muito iguais que eles sejam, também podem ser diferentes.
Texto de Bruno Prata, in Público
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