Oito anos até Dublin


A 24 de Fevereiro de 2003, três meses antes da final da Taça UEFA ganha pelo FC Porto em Sevilha, António Salvador pousou as malas num futebol muito diferente do actual. Nesses dias, só para citar um exemplo, Mourinho era celebrado como um treinador ofensivo (no bom sentido) e os jornalistas de Barcelona cogitavam um rápido resgate do antigo adjunto de Robson e Van Gaal sem regatearem o selo "made in Catalunha" que hoje os ofenderia. Salvador, Mourinho, Sevilha, Taça UEFA: nomes que nos fartámos de ouvir durante esta época internacional dos clubes portugueses e que, de certa forma, fazem o percurso na Liga Europa'2011 parecer uma espécie de "déjà-vu". Mas não pode haver maior engano.

Comecemos pela final cem por cento portuguesa: na verdade, é praticamente impossível que hoje estejam em campo, até alinhando mais tarde, tantos jogadores portugueses como Mourinho pôs no onze de Sevilha (oito). Talvez não porque o FC Porto fosse mais patriótico nessa altura, mas porque seguia uma estratégia completamente diferente: em todo o plantel de 2003, só um jogador - Alenichev - viera do estrangeiro; todos os outros tinham sido contratações internas. Só no onze que Villas-Boas apresentará hoje, sete elementos vieram de outros campeonatos. Pôr a hipótese, há oito anos, de que o FC Porto viesse a gastar 19 milhões (Hulk) num só futebolista teria arrancado gargalhadas.


Setenta quilómetros a norte, Salvador encontrava os resquícios do que fora a última estratégia do Braga para crescer no mercado: Samson e Abiodun, derradeiros espécimens de uma linhagem africana de fracos resultados. Wender estrelava no relvado, à frente de Taílson e Odair. Na época seguinte começa a construir-se a primeira grande equipa desta dinastia com a contratação de Jorge Luiz, lateral-esquerdo que seria sustentáculo do Braga de Jesualdo Ferreira, mas o "boom" bracarense dá-se ao mesmo tempo que o do FC Porto e de um outro nome comum a ambos: Jorge Mendes. No Verão de 2004 entram no Dragão os cem milhões de euros que viriam a tornar o clube na principal referência do mercado de transferências de então por diante, mas, em proporção, António Salvador não ficou atrás. Com a venda de Cícero ao Dínamo de Moscovo - intermediada por Mendes - e de Luís Loureiro, Lima e Quim, o Braga fechou o defeso com oito milhões de euros positivos e as raízes do êxito actual: em 2004/05, foi esse fôlego financeiro que permitiu contratar Vandinho, Madrid, Paulo Santos e Nunes, entre outros, partindo para uma sucessão de grandes equipas que desemboca directamente em Dublin. Entretanto, o FC Porto já vestia por inteiro o papel de mercador dourado, embora viesse a levar ainda uma época a afinar o modelo que lhe traria quatro campeonatos seguidos e consecutivos recordes de vendas ano após ano.

Para ambos, 2003 significou o arranque de dois dos projectos mais consistentes que o futebol português já viu, ambos com a noção exacta do que está à volta e de como tirar proveito do meio ambiente. Hoje é dia de os aplaudir, na esperança de que alguém aprenda com eles e lhes saiba seguir o exemplo.

Texto de José Manuel Ribeiro, jornalista de OJOGO