No panorama desportivo de ontem, assistiu-se, como é sabido, a mais um jogo de apuramento para o Mundial de 2010 por parte de Portugal. Devo confessar que só vi o jogo até sensivelmente meio da segunda parte, mas foi o suficiente para perceber até que ponto a nossa Selecção, tal como se diz na gíria popular, é “vira o disco e toca o mesmo”: um jogo praticamente a roçar o sentido único com domínio evidente de Portugal; uma proporcionalidade inversa de ocasiões de finalização/golos; a casmurrice do seleccionador (até quando?) Carlos Queiróz; e por fim, o segundo argumento mais utilizado pelos portugueses para justificar derrotas no futebol, a sorte dos adversários (nota: o primeiro argumento é, claro está, a arbitragem).
Começaremos então com uma abordagem aos referidos itens. Mais uma vez, quase a papel químico do jogo com a Albânia, Portugal produziu um caudal ofensivo poderoso, com inúmeros remates à baliza, mas sem efeitos consequentes no marcador. Perante uma Dinamarca desfalcada de nove das suas habituais peças integrantes da convocatória, sendo que um terço desses são habituais titulares (destaco as ausências de peso de Agger e Poulsen), o ataque de Portugal, servido por um meio campo interessante, com Deco sublime na primeira parte, conseguiu ser banalizado por uma defesa, que não sendo temível, teve altura suficiente para limpar a maioria dos lances aéreos. Isto porque o ataque de Portugal foi inicialmente constituído por Simão e Ronaldo, e se o segundo ainda tem bom jogo de cabeça, ambos têm falta do que distingue pontas-de-lança dos demais elementos da equipa: instinto matador e movimento de área. E não querendo cair muito na tentação fácil de criticar Queiróz, pois cá fora todos os “treinadores de bancada” é que são os génios, considero que este foi o erro capital do seleccionador. Simão Saborosa não é ponta-de-lança, nunca foi e não vejo motivo para o colocar nessa posição, e se Ronaldo nas alas da selecção já tem um rendimento inferior ao que produz no respectivo clube, então a ponta-de-lança nada tem de “melhor do mundo” (ou ex-melhor neste caso). Pode parecer estranho, mas para pôr o Ronaldo ou o Simão como homens mais adiantados no terreno de jogo, mais valia pôr Nuno Gomes a titular. Embora este não tenha o talento natural ou a velocidade dos dois extremos, tem seguramente o instinto matador que referi há pouco (bastaram uns minutos em campo para marcar frente ao Vitória de Setúbal), a “manha” e “traquinice” que só muitos anos de carreira e experiência trazem, e isto para não falar da mentalidade de capitão, atributo que Ronaldo dificilmente alguma vez terá, ou que tão pouco possa ser equiparável à de Nuno Gomes. E já se sabe, um bom capitão pode conseguir pôr uma equipa a render o máximo nas fases mais críticas dos jogos. Quem não se lembra, por exemplo, de Jorge Costa?
Torna-se ainda mais ridículo o duo atacante que jogou quando no banco está o melhor ponta-de-lança português da actualidade: Liedson (que para todos os efeitos, é português). Desconfio que algumas oportunidades que Portugal criou na primeira parte, nos pés do Levezinho davam golo.
Aproveitando o tema Liedson, vou clarificar a minha posição quanto à polémica que tem surgido relativamente às naturalizações, temo no qual eu sou inflexivelmente dogmático. Para mim, se um jogador paga os seus impostos como qualquer cidadão, faz questão de obter cidadania portuguesa, e mostra querer jogar na selecção (Liedson já fez, quiçá, mais num jogo que Ronaldo nos últimos 5), não vejo porque motivo não o possa fazer como outro português qualquer. Para aqueles coitadinhos pseudo-protectores da pátria que afirmam que Portugal perde identidade por ter três naturalizados de uma ex-colónia no seio de uma equipa que tem outros 22 membros portugueses de gema (não serão bem de gema, como é o caso de Nani, Rolando e Bosingwa, mas enfim…), e que têm problemas de consciência com isso, então dêem-se graças a Deus não serem franceses. Agora obviamente que terá que ser estabelecido um certo limite moral para a quantidade de naturalizados que joga(rá) na selecção. Três não são exagero. Mas mais que isso não seria prudente. Contudo, com dois deles, Deco e Liedson, já ultrapassados pela barreira dos 30 anos e apenas com mais uns anos de futebol pela frente, isto não constituirá qualquer problema.
Voltando à selecção, com o empate de ontem, se as contas estavam complicadas, então agora estão muito complicadas. Estamos a dois pontos da Suécia e a três da Hungria (a Dinamarca já nem entra na conta), selecções com as quais vamos discutir o apuramento. Com dois embates agendados frente à Hungria, dependemos só de nós para ultrapassar estes, contudo já temos de esperar por um deslize da Suécia se queremos almejar o segundo lugar do grupo, e com isto ainda temos que rezar para que não sejamos o pior segundo classificado dos grupos da zona Euro, caso contrário nem assim. Relativamente à Suécia, muitos dizem que a rivalidade que é mutuamente nutrida entre esta e a Dinamarca será suficiente para que esta última discuta o jogo taco-a-taco, muito embora já tenha o apuramento garantido. Mas será mesmo assim? Quem não se lembra de um certo jogo da fase de grupos do Euro 2004 em que convinha a ambas o empate, ficando a Itália de fora dos quartos-de-final? Pois bem, não sei se a Dinamarca quererá ser amiga da Suécia desta vez, mas algo me diz que ou é nesse jogo que os suecos deslizam ou então estamos fora do Mundial, pois não me cheira que Ibrahimovic e companhia percam pontos frente à Albânia ou Malta.
Enfim, em suma, contas a mais para Portugal, que tinha a obrigação, com o leque de jogadores que dispõe, de estar por esta altura num dos dois primeiros lugares e não a contar as migalhas dos outros.. O que me remete para o titulo desta crónica: merece Portugal ir ao Mundial? Merece uma selecção, que esbanja pontos em casa frente a Albânias e Dinamarcas, ir ao Mundial? Merece uma selecção, cujos jogadores dão mais pelos clubes do que pelo próprio pais, ir ao Mundial? A resposta é óbvia. Até podemos conseguir milagrosamente o apuramento na última jornada, mas se Portugal se está a portar assim num apuramento, nem quero imaginar num Mundial, com selecções infinitamente mais poderosas do que selecções nórdicas e de leste.
Quero por fim deixar uma nota de agradecimento aos autores deste blog por terem acedido a que eu desse continuidade a um projecto aqui no negócios do futebol. O meu sincero obrigado.
Texto de Francisco Carvalho para o Negócios do Futebol
5 comentários:
infelizmente, acho que portugal não vai ao mundial... é verdade, tivemos azar, mas acho que podíamos ter feito mais...
se portugal não, tenho de apoiar a argentina...
mesmo assim força portugal
Realmente também duvido que esta selecção mereça ir ao Mundial ... enfim, a ver vamos, mas está tudo muito difícil ...
Caros anónimos, de facto aparenta ser muito dificil a missão de qualificar Portugal para o Mundial, mas creio que a nossa selecção tem potencialidades para lá chegar, independentemente de o merecer ou não. Contudo, para tal acontecer, muita coisa tem/teria que ser feita e mudada em muito pouco tempo, começando pelos jogadores e a sua mentalidade, pois poucos neste momento estão verdadeiramente empenhados em defender a camisola de Portugal. Liedson e Deco, mesmo sendo naturalizados, têm sido dos mais inconformados com o estado da selecção. Há muitos jogadores no onze inicial que poderiam ser substituidos por outros com mais "ganas" de jogar e ganhar. Por exemplo, Ronaldo no banco contra a Hungria não lhe faria mal, de certo. Jogadores como Nani podem alinhar de inicio em vez dele. Num futuro próximo, Varela ou Fábio Coentrão. É necessário também uma mudança radical no estilo de Queiróz, que envolve, também, o critério utilizado para a chamada dos jogadores, entre outros factores, como a tactica usada, etc. Receio que a três jogos do fim do apuramento, alguns destes objectivos a curto prazo não possam ser cumpridos, mas também é preciso ter fé. Os portugueses sempre se habituaram a sofrer. Mais um bocadinho não vai fazer mal.
A situação é difícil, mas seria muito ruim se Portugal não fosse. Concordo com muito do que foi dito na análise. Acho que Nani é melhor que Simão e poderia, com Cristiano Ronaldo e um centroavante, formar um 4-2-3-1, variando para um 4-3-3. Deixo aqui a análise tática que fiz do jogo Dinamarca 1 x 1 Portugal.
Abraços,
Marcelo Costa.
http://esquemastaticos.blogspot.com/2009/09/dinamarca-1-x-1-portugal-analise-tatica.html
Caro autor do blog "Esquemas tácticos"
Discordo quanto à usagem do 4-2-3-1 na selecção. O 4-2-3-1, sendo uma táctica que privilegia um jogo lento de posse de bola e construção de jogo gradual, fazendo do "chuveirinho" para a área em cruzamentos por parte dos extremos a sua principal arma, não a acho adequada á selecção pelo simples facto de que para funcionar direito é necessário um ponta-de-lança forte, possante, alto e exímio no jogo aéreo. Nem Nuno Gomes, nem Liedson nem Ronaldo e muito menos Simão obedecem a estas características. Se ainda tivéssemos o Hugo Almeida disponível, então sim, seria uma táctica de eleição, ate porque nessa táctica o médio ofensivo assume praticamente funções de segundo atacante, onde Deco pode partir de trás para tentar o remate de longe ou o passe para o atacante de serviço (á semelhança de Diego nos tempos do Werder Bremen, com a excepção que este servia Pizarro e Hugo Almeida, tendo por isso mais opções de passe) . Mas como não temos Hugo Almeida, que se encontra lesionado, torna-se evidente que tácticas que tenham como referencia somente um atacante, não se tornam boas opções para Portugal. Liedson toda a carreira tem jogado com um par na frente de ataque, tanto na era Peseiro, onde jogou com Alecsandro, Deivid, entre outros, como com Paulo Bento onde o Derlei fazia a diferença entre um Liedson a 100% e um a 120%. Logo o 4-4-2 losango é a melhor opção, não só porque temos um dos melhores laterais direitos do mundo (Zé Bosingwa), e um defesa esquerdo muito ofensivo que se desenrasca bem (Duda), e já se sabe com as laterais são importantíssimas no 4-4-2 (Veja-se as dificuldades do Sporting por não ter laterais de qualidade), mas também porque num esquema táctico com dois avançados é que Liedson, Hugo Almeida ou mesmo Nuno Gomes, rendem verdadeiramente.